Grandes Anciões: os 5 principais monstros de Lovecraft

O escritor H. P. Lovecraft subverteu uma tradição da ficção científica, que muitas vezes humanizou os extraterrestres. Em seus contos, no entanto, os seres do espaço não lembram em nada humanos; pelo contrário, além dos nomes quase indizíveis, não têm forma definida. Ancestrais e assustadores, os Grandes Anciões fazem parte da história do universo. Enquanto metáforas, simbolizam um mundo antigo que devora outro mais jovem no ápice do progresso tecnológico, o que leva ao colapso da civilização.

De acordo com o biógrafo S.T. Joshi, os seres extraterrestres são elementos básicos dos “Mitos de Cthulhu”. Essa pseudomitologia, que Lovecraft criou, fala de um universo sob o jugo de uma raça monstruosa de alienígenas. Prestes a retomar seus domínios, eles trarão consigo o caos através de fissuras na realidade. Neste texto, vamos conhecer as principais abominações cósmicas dos Mitos e suas características.

Diferentes tipos de alienígenas

Os Anciões (…) não eram feitos de carne e osso. Eles tinham forma (…), mas essa forma não era constituída de matéria. Quando as estrelas se alinhavam, Eles podiam viajar ao mundo através dos céus; mas quando as estrelas não estavam em balanço, Eles não conseguiam viver. Todavia, ainda que não vivessem, Eles não morreriam jamais.

Conforme notou Greg Conley, o horror cósmico de Lovecraft levou esse escritor a criar alienígenas que existem fora do compasso moral da humanidade. É nesse sentido que seus contos reforçam a pequenez do ser humano no cosmos.

No entanto, a maioria dos estudiosos foca mais nos “alienígenas do espaço” e na percepção que os personagens humanos têm deles. Isto é, como tais seres parecem estranhos aos seus olhos por serem originários de outros mundos. Mas, se a princípio podem ser muito mais estranhos que os “alienígenas terrestres” – aqueles que habitam áreas ocultas do nosso planeta, por exemplo, os moradores de Dunwich, os Abissais e os shoggoths –, estes são moralmente tão estranhos quanto aqueles. E ainda mais ameaçadores, visto que já estão entre nós.

Os contos de Lovecraft são filhos da ciência moderna, cujas indagações, depois de Darwin e Einstein, abriram caminho para a ficção científica. Lovecraft usou o horror biológico para dar vida a alienígenas terrestres, bem como para provar que a moralidade é um produto da evolução humana. Nesse sentido, formas de vida com processos evolutivos à parte teriam, eventualmente, um padrão moral incompreensível, também à parte.

Demônios os extraterrestres?

Todos jaziam em casas de pedra na grande cidade de R’lyeh, preservados graças aos feitiços do poderoso Cthulhu enquanto esperavam o dia da ressurreição gloriosa quando as estrelas e a Terra mais uma vez estivessem prontas. Mas, ao mesmo tempo, alguma força externa deveria ajuda-Los a libertar seus corpos.

Para Conley, os Grandes Anciões não são demoníacos, pelo menos em grande parte dos contos de Lovecraft. Ainda que venham de outros planetas ou dimensões, só alguns agem com o propósito de dominar a Terra ou destruir a humanidade. Na maioria das vezes, aliás, sequer notam a presença dos humanos; existem fora das nossas ideias de ética e moral; e são totalmente desumanos. Assim, com suas feições híbridas e grotescas, lembram os leitores do quão abstrata é a moralidade humana.

Apesar de unirem aspectos de demônios e extraterrestres, para John Steadman os Grandes Anciões se alinham mais à ciência moderna, como a física quântica, do que às imagens do ocultismo e das religiões ocidentais. Nesse sentido, embora tenham poderes cósmicos e aparentem ser “deuses”, eles não seriam deuses de fato, mas alienígenas que controlam seus seguidores humanos.

Por outro lado, os Mitos de Cthulhu têm, sim, traços de uma demonologia, conforme observa Florent Montclair. Isso porque, assim como nos manuais cristãos de demonologia e suas hostes de demônios, os Grandes Anciões parecem respeitar uma hierarquia. Além disso, pelas formas grotescas, são frequentemente vistos como seres maus e diabólicos.

Os Grandes Anciões

Nos contos dos Mitos de Cthulhu, seitas ocultas professam o retorno dos Grandes Anciões numa era de caos e violência, a fim de retomar seus domínios e varrer a humanidade. Tais seres já não coexistem com a humanidade, pois habitam outras esferas ou dimensões, sempre na iminência de voltar. Eles são abominações alienígenas poderosas e imortais que reinaram em eras pré-humanas. Os principais são:

Azathoth

É o deus cego e idiota que vive no centro do caos. Não há uma descrição clara desse Ancião, pois ele se manifesta de várias formas. De acordo com alguns relatos, é um enorme buraco negro senciente. É uma presença maligna de destaque no Necronomicon, já que a simples menção ao seu nome causa horror.

Cthulhu

O Senhor das Profundezas, Cthulhu é um Grande Ancião de enorme poder que dorme em estado catatônico sob o Oceano Pacífico, na cidade submersa de R’lyeh. Suas descrições baseiam-se em ídolos antigos, cujas imagens mesclam aspectos de polvo, dragão e traços humanos. A cabeça é polpuda, com tentáculos, e o corpo grotesco cheio de escamas tem asas rudimentares.

Nyarlathotep

Arte de Jens Heimdahl.

Em contraste com outros Anciões, que vivem em exílio no espaço, Nyarlathotep com frequência anda pela Terra, onde assume as feições de um homem alto, magro e sombrio. No entanto, manifesta-se de milhares de formas, muitas delas horrendas. Ele ficou conhecido como O Caos Rastejante ou a Alma do Caos.

Shub-Niggurath

É a “Cabra Negra do Bosque com a Prole de Mil Filhotes”, forma que assume em algumas histórias dos Mitos de Cthulhu. Apesar desse nome, nunca ganhou uma descrição bem definida na obra de Lovecraft, que apenas faz menção a ela, por vezes objeto de invocação. É uma deidade feminina e maligna da fertilidade, semelhante a uma nuvem ou uma enorme massa de tentáculos negros, bocarras gosmentas e pernas curtas de cabra, que se contorcem. Com frequência, ela cospe sua prole de monstros menores. É esposa de Yog-Sothoth, com quem deu à luz os gêmeos Nug e Yeb.

Yog-Sothoth

Corregente de Azathoth, o Portal para o Vazio Exterior. Nascido da Névoa sem Nome, é o progenitor de Cthulhu e outras abominações cósmicas. Como outros Anciões, assume várias formas nos Mitos. No entanto, há um consenso de que se manifesta como uma aglomeração de orbes brilhantes, com olhos ou gavinhas. É onisciente e vive em exílio fora do universo, o que significa que ele conhece e vê todo o espaço-tempo.

Referências

O Chamado de Lovecraft (Tese, 2019), de Lúcio Reis Filho.

Lovecraft’s terrestrial terrors: morally alien earthlings(Revista Abusões, 2017), de Greg Conley.

H. P. Lovecraft and the Black Magickal Tradition (2015), de John Steadman.

I am Providence: The Life and Times of H. P. Lovecraft (2013), de S.T. Joshi.

Fantastique et événement: Etude comparée des ouvres des Jules Verne et de Howard P. Lovecraft (Annales littéraires de l’Université de Franche-Comté, 1997), de Florent Montclair.

The King of Weird” (The New York Review of Books, 31/10/1996), de Joyce Carol Oates.

Fonte das imagens

The H. P. Lovecraft Wiki

Para saber mais sobre os Mitos de Cthulhu:

Os Mitos de Cthulhu: a pseudomitologia de Lovecraft

Crônicas de R’lyeh: Nas Profundezas da Loucura

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Grandes Anciões: os 5 principais monstros de Lovecraft, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/grandes-ancioes-os-5-principais-monstros-de-lovecraft/. Acesso em: 30/03/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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