Gilgamesh em Final Fantasy V, e outros seres lendários

Repleto de temas da história antiga e dos mitos, Final Fantasy V (FFV) é a saga dos quatro heróis que devem salvar o mundo das trevas, na forma do vilão Exdeath. Como os predecessores, esse jogo gira em torno dos cristais enquanto fonte de poder. Semelhante às de FFII e FFIII, sua premissa ganha força com a adição de personagens singulares, cenários ricos e a vasta fauna de monstros, entre dragões e serpentes marinhas. A narrativa é simples e abusa de forma consciente dos clichês do RPG, bem como de alusões à mitologia. Com destaque para o lendário Gilgamesh, que se tornaria recorrente em Final Fantasy. Vamos descobrir quem é esse personagem, além de conhecer a história do jogo.

O bem contra o mal em FFV

Os cristais do mundo enfrentam calamidades…

Há mil anos, quatro cristais se rompem para selar o poder do Vazio. Como resultado, o mundo se divide em dois, abrindo uma fenda interdimensional no espaço. Tempos depois, quando já não há perigo, o feiticeiro Exdeath surge para canalizar o poder do Vazio. Os antigos Guerreiros da Aurora tentam derrotá-lo, mas não têm sucesso, mesmo depois de levá-lo para o outro mundo. Lá, então, prendem-no com o poder dos cristais.

Trinta anos depois, os cristais servem à ganância humana, uso que eventualmente os enfraquece. Por outro lado, Exdeath recobra parte do seu poder sombrio, dedicando-se à manipulação e à destruição dos cristais, um a um. Por isso, as pedras mágicas elegem quatro novos Guerreiros da Luz a fim de evitar o retorno do vilão.

A saga dos Guerreiros de Luz

Bartz Klauser viaja pelo mundo com Boko, o chocobo. É um jovem nômade que deseja honrar a memória de seu falecido pai, por isso aceita a missão de salvar o mundo e proteger os cristais. Principal herói de FFV, Bartz visita o Templo dos Ventos em busca de respostas. Juntam-se a ele a princesa Lenna, filha do rei Tycoon; o velho Galuf, que sofre de amnésia; e a líder pirata Faris, que se junta ao grupo disfarçada de homem.

No Templo, os quatro heróis se tornam os Guerreiros da Luz, os escolhidos para a nobre missão. Lá, descobrem os planos malignos do vilão, bem como o dever de frustrá-los. Nesse ínterim, as trevas do Vazio sugam os reinos um a um, feito um buraco negro. No caminho, surgem inimigos como Gilgamesh e outros seres lendários, já clássicos em Final Fantasy. Na batalha final, Exdeath toma sua forma definitiva como o Mestres de Todas as Dimensões. Então, numa das frases mais célebres do jogo, diz que “as leis do universo não significam nada”.

Novo Final Fantasy, com novidades

Assim como na maioria dos RPGs, FFV conta a saga de um grupo de heróis. Esse jogo, que foi o último sob a batuta de Hironobu Sakaguchi, criador do original, não inovou na fórmula, mas teve o mérito de fixar algumas mecânicas. Também adotou um tom de humor, até então inédito na franquia, e trouxe de volta do sistema de trabalho, agora mais detalhado. Isso permitiu criar heróis com as habilidades de vinte e duas profissões.

A mais interessante das novas classes é, inegavelmente, a do Mago Azul, capaz de aprender as habilidades dos inimigos para usá-las contra eles próprios. Essa classe existiria em jogos futuros, como em FFIX. Porém, a fim de ter acesso às novas profissões, o jogador tinha que avançar na história e interagir com os cristais.

Sobretudo, FFV trouxe um dos traços de identidade mais característicos da franquia desde então: os mini-chefes recorrentes. Em várias ocasiões ao longo do jogo, os quatro heróis enfrentam Gilgamesh, capitão da guarda de Exdeath que serve o vilão junto de seu capanga, o monstro Enkidu. Os nomes desses personagens vêm não só dos mitos, como também da história antiga, o que é de praxe em Final Fantasy.

De Gilgamesh a outros mitos

A saga dos quatro heróis faz alusões não só aos mitos, como também à história antiga. Gilgamesh, que virou nome assíduo na franquia, vem da obra literária mais arcaica da humanidade. No épico sumério, ele é o semideus que ergue as muralhas de Uruk e viaja em busca de um sábio que sobreviveu ao dilúvio. Contudo, o Gilgamesh de Final Fantasy tem mais do Benkei, monge guerreiro da mitologia japonesa. Com a força dos demônios, ele era capaz de vencer duzentos homens em combate. Já Enkidu, no épico da antiga Mesopotâmia, é o homem selvagem que segue Gilgamesh, seu grande amigo. Assim como Lenna, Galuf e Faris seguem Bartz em sua jornada para salvar o mundo.

Em contraste com outros títulos da franquia, há menor presença de monstros dos mitos gregos nesse quinto Final Fantasy. Ainda assim, ele inclui hidras, quimeras, lâmias, minotauros, górgonas e o Licáon. Este último alude ao rei que Zeus transformou em lobo. Contudo, a sua forma felina em FFV foge de sua relação com a lenda. Muitos monstros tiveram base na arte de Tetsuya Nomura, mas alguns deles não entraram na versão final do jogo.

Menção honrosa para Tritão, Nereida e Fobos, trio de chefes que saiu dos mitos gregos. Bem como para Halicarnassus, cujo nome é o de uma antiga cidade na Ásia Menor. Analogamente, Byblos deriva seu nome da cidade Fenícia famosa por buscar papiros do Egito. Não por acaso, esse chefe é um rato monstruoso da Biblioteca dos Anciões.

Leia o próximo artigo desta série em Os três deuses guerreiros de Final Fantasy VI.

Referências

Bestiary (Final Fantasy V) em Final Fantasy Wiki.

Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.

Final Fantasy: La leyenda de los cristales (2013), de Pablo Taboada.

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Final Fantasy Ultimania Archive Volume 1 (2018).

Os monstros da mitologia grega na série de games Final Fantasy, de Lúcio Reis Filho.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Gilgamesh em Final Fantasy V, e outros seres lendários, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/gilgamesh-em-final-fantasy-v-e-outros-seres-lendarios/. Acesso em: 19/04/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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