Final Fantasy VIII: o encontro do antigo com o novo

Após FFVII (1997) quebrar todas as barreiras dos RPGs, a Square correu para lançar o oitavo título da franquia em tempo recorde. Missão cumprida, pois Final Fantasy VIII saiu no Japão dois anos depois, em fevereiro de 1999, para PlayStation, e um ano depois para PC.

Esse foi o primeiro título da série a se afastar do estilo super deformed da cultura japonesa. Em outras palavras, seus personagens têm proporções humanas ao invés dos traços caricaturais, exagerados e cômicos dos games anteriores. Pelo contrário, seu design foi feito de forma cuidadosa, buscando o realismo. Para dar vida à história, FFVIII também usou maior número de sequências de animação, algumas delas criadas por captura de movimento. A tecnologia do mocap grava as ações de atores humanos, que são posteriormente digitalizadas para animar modelos virtuais em animação 3D.

A trama de Final Fantasy VIII

O poder das bruxas vem dos tempos antigos… Há dezessete anos, os povos de um mundo sem nome sofrem ameaças de Esthar, nação sob domínio da bruxa Adel. O reino tinha, ao mesmo tempo, acesso a poderes mágicos e tecnologia de ponta, o que lhe dava uma vantagem esmagadora. Então, certo dia, suas fronteiras ficaram completamente silenciosas. A longa Guerra das Bruxas chegou ao fim no momento em que os reinos do mundo adotaram políticas isolacionistas. Os sobreviventes viram nascer uma nova era de paz, embora guardassem receio em seus corações.

No tempo presente, a nação militar de Galbadia faz uma aliança com a misteriosa bruxa Edea, o que põe em risco a paz no mundo. O mercenário Squall então se junta à resistência e confronta Edea. Faz isso com seus colegas, pois é aluno da academia Balamb Garden. Mal sabem eles que seus esforços darão início a uma jornada que trará de volta memórias perdidas e, finalmente, salvará o mundo.

Os temas centrais

Seguindo a tradição de FFVI (steampunk) e FFVII (cyberpunk), o palco de Final Fantasy VIII é um mundo futurista de alta tecnologia. O contexto do game é o de uma distopia na qual adolescentes, treinados militarmente, lutam contra as forças do mal. Já sua estrutura lembra a de uma novela, pois foca na relação dos personagens mais que na cadeia de eventos, que fazem um game avançar.

Em resumo, a trama de FFVIII gira em torno da memória. Mais especificamente, a perda de memória – os heróis cresceram juntos num orfanato, mas não se lembram disso. A esse tema somam-se outros, como a bruxaria e a percepção do tempo. Uma teoria popular entre os fãs sugere que, na verdade, Squall está morto. Assim, tudo o que ocorre depois do Disco 1 não passaria de vestígios da sua imaginação. O fim do jogo é inesperadamente estranho. Faz lembrar um sonho lúcido próprio das narrativas de seu tempo, como o anime Evangelion (1995) ou o filme Estrada Perdida (1997), de David Lynch.

O mundo e os locais de Final Fantasy VIII

Após vários títulos com um tom mais sombrio, Final Fantasy VIII inverte o conceito de “luz que emerge das trevas”. Logo, sua premissa resulta num game com cores mais vivas. O mapa-múndi se divide em grandes continentes com regiões nevadas, desérticas ou tropicais, com cidades futuristas e militarizadas. Nelas, vivem gigantes, dragões e robôs, além de poderosos seres lendários como a fênix, o cão dos infernos Cérbero e os Irmãos, que são minotauros. O game permite viajar, até mesmo, para uma estação espacial. Como é de praxe na franquia, os heróis podem se deslocar em diversos veículos. A Ragnarok, por exemplo, é a primeira nave veloz que pilotam (seu nome vem da mitologia nórdica).

A cidade de Deling.

Para os visuais do game, o diretor de arte Yusuke Naora e Tetsuya Nomura, designer de personagens e cenários, basearam-se em locais do mundo real. Com o propósito de mesclar o antigo com o novo, suas referências vêm do Egito, da Grécia e de Paris (a cidade de Deling é uma versão da capital francesa). Assim, criaram uma sociedade com história e cultura próprias, mas que é europeia em muitos aspectos. Metrópoles com edifícios, estradas, veículos e bailes de gala dão vida a esse mundo de Belle Époque.

Squall e a resistência

O jogador assume o papel de Squall Leonhart, um cadete prestes a se formar na academia. Nomura criou o herói com base no ator River Phoenix, pois é igualmente incompreendido. A princípio, ele tinha um visual andrógino. Mas, quando o diretor Yoshinori Kitase pediu traços mais “masculinos”, ele ganhou um traje de aviador e uma cicatriz no rosto, cuja origem faz parte da trama. Final Fantasy VIII gira em torno desse lobo solitário. As caixas de texto revelam, além dos diálogos tradicionais, ações e pensamentos do herói, a fim de aprofundar sua personalidade e fortalecer laços com o jogador.

Squall e River Phoenix.

Outros personagens se juntam ao grupo ativo, alguns dos quais podemos controlar. Rinoa Heartilly é o interesse romântico de Squall. Quistis Trepe é professora na academia, mas deixa o cargo a fim de proteger os recém-formados. O aluno Zell Dincht é amante das artes marciais. Selphie Tilmitt é aluna de intercâmbio. E Irvine Kinneas, que desperta atração em todas as mulheres, é expert em duelo com armas de fogo. Apesar de sua importância na trama, esses personagens são de fato secundários, já que o peso cai sobre Squall e pouco sabemos das suas backstories.

O dualismo

Seifer versus Squall.

O aluno Seifer Almasy, por sua vez, rende-se às trevas e opõe-se ao grupo de heróis. Loiro e de olhos verdes, ele é colega e rival do protagonista. De fato, há muitos paralelos entre Seifer e Squall. Rapazes jovens, altos e bonitos, ambos são igualmente hábeis no uso de suas armas, com as quais marcam, com uma cicatriz, o rosto um do outro. Porém, a despeito da rivalidade que os faz lutar sempre, a fim de provar superioridade, mantêm um respeito tácito. Ao mesmo tempo, são polos opostos. Seifer é rebelde e perturbado, mais do que mau, enquanto Squall é rígido e quieto. O sobretudo branco do primeiro e os trajes pretos do segundo definem sua relação pelo dualismo. O contraste entre dois elementos radicalmente diferentes, como sabemos, é um dos principais temas de Final Fantasy.

Referências

Final Fantasy Ultimania Archive Volume 2 (2018).

Final Fantasy: La leyenda de los cristales (2013), de Pablo Taboada.

Os monstros da mitologia grega na série de games Final Fantasy, de Lúcio Reis Filho.

The Final Fantasy 8 Iceberg Explained (YouTube).

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Final Fantasy VIII: o encontro do antigo com o novo, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/final-fantasy-o-encontro-do-antigo-com-o-novo/. Acesso em: 29/03/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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